20 textos Junho- Agosto

 

Tres escorregão, uma levantada

                Em matéria de derrota, sou uma sumidade. Guardo minhas vitórias com carinho e não deixo de me inspirar em pessoas como o tiozão do KFC, que bateu em mil e uma portas até ouvir o primeiro “sim”.

Às vezes acho que fui projetado para perder. Às vezes sinto que Deus projetou minha vida para ganhar só quando ele quer. O que não deixa de ser ótimo. Estudei, trabalhei, namorei, e tenho chegado à conclusão de que somos que nem caramujo em parede molhada, três escorregão, uma levantada. Com o perdão do linguajar de modão.

                Sigo batendo às portas dos vencedores regularmente, não para pedir dinheiro, mas uma mísera chance. Só para me sentir útil. Japonês lida bem com isso. Utilidade no ocidente europeu é tabu. Coisa mais feia pro brasileiro europeizado é querer ser útil. Por isso um Manoel de Barros leva uma multidão ao delírio ao dizer que é “desimportado das importâncias”, ou qualquer coisa que o valha. Eu me recolho à minha mesquinha posição e tento entender elétrica, mecânica, biologia, química. Faço um esforço colossal para ser útil. Em alguns círculos japoneses é dito que o ser humano precisa se sentir útil. E eu concordo.

                É claro que o tema guarda uma sutileza importante. Ninguém quer ser uma máquina. Um instrumento na mão de alguém. Todo mundo quer uma vida pujante, verdadeiramente viva e produtiva no melhor dos sentidos. E é aí o pulo do gato: ser importante talvez seja algo menos importante do que supomos. Quando tiramos uma foto, plantamos um pé de alface ou varremos a calçada, é um evento. E podemos encontrar nisso algo repleto de significado e descoberta ou apenas reclamar da vida. A moça que vende Yakult de porta em porta pode ser vista como uma Deusa por um paralítico. Esse termo nem se usa mais, é verdade. Assim como o mundo deixou de ser bipolar há cinquenta anos, dizem as más línguas; e “proletariado” não existe mais. Às vezes a gente queria ser como máquina. Só para ter um emprego. É nessas que damos uma levantada, depois de uns três escorregão. Com o perdão do linguajar de modão. É só mais dois dedo de prosa.

                Em matéria de utilidade, pouco temos feito para exaltar a utilidade da poesia e das artes, por exemplo. O que seria, certamente, seu fim. Então que continue assim. Mas se podemos dizer que um belo texto, um mapa bem cuidaddo, uma parede bem-pintada são benéficas à nós, que mal tem dizer que arte é útil? Aliás, em meio a tanto escorregão, tanta derrota, só mesmo a arte que nos salva. Seja num cine-pipoca mela cueca para aprender inglês, uma sessãozinha de vale-a-pena-ver-de-novo pra esquecer do coito interrompido ou até num desenho animado estadunidense. Até algo de mais sustança, como uma peça de teatro no SESC, que é famoso por ter coisa de sustança, salva a gente. Da mesmice. Salva a gente do preconceito. Do Faustão. Do Fausto. Do fastídio. Do fast-food. Como disse Médici na Folha do domingo passado, o negócio do ator sempre foi ser o outro. Falando nisso, já provou o estrogonofe de caju do SESC? É de levantar o moral da tropa domingueira. Três escorregão, uma levantada. E de escorregão em escorregão a gente se faz humano. Porque se só de pódio fosse a vida, esqueceríamos que nem tudo é justo. Se todo esforço fosse recompensado pelo universo, perderíamos a humildade e o respeito pelos menos favorecidos. Como diz o sábio, em Eclesiastes, “o mesmo acontece ao justo e ao ímpio”. É de estourar a boca do balão, é de pôr na rua o bando de pastor que manipula justamente os que têm menos sorte nesse mundo de cão.

 

Lucas Furió é técnico em segurança do trabalho, professor de filosofia e artes. Tenta entender a eletricidade e faz uns rabiscos.

 

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Quem não tem chão, mora com gatos.

                OU

Lá vem o leão, cheio de paixão

 

       A dificuldade de conquistar um imóvel para morar no Brasil talvez seja uma das maiores do mundo. Mesmo um cidadão de classe média passa apuros para ter seu lugar à sombra. Vamos ver o salário mínimo: 800 ficam para um plano de saúde, 200 para as contas do mês, 250 para comida e insumos e 160 para outros gastos, como transporte, lazer, remédios ou melhorias na casa. Chutando tudo bem baixo.

       Ou aumenta o salário ou barateia o aluguel e os juros. Não tem receita mágica. Pelo cálculo que acabamos de ver acima, ou o cidadão abre mão de alguma coisa vital ou simplesmente não tem onde cair vivo. O problema é que se barateia o aluguel, a população fica muito soltinha. O governo egípcio de Lula quer a população fixada. E outra: baratear o aluguel implicaria não levantar montanhas de concreto e areia, prediozinhos que financiam uma campanha que é uma beleza. Abaixar os juros não dependeria de tão pouca vontade política, como um bolsa-aluguel, e significaria na prática  reduzir os lucros dos bancos e renegociar a dívida externa. Novamente, os cobertores de qualquer campanha se veriam em crise. E crise é só para peão. Banqueiro que se preza não passa aperto. A conta final dos tantos 'Villagio di Dirceo' ficará pros bisnetos dos bem-nascidos, que terão que tirar granito, ferro e calcário do fim do mundo. Enquanto isso o centrão às traças.

       Outra saída seria: ou aprimora o SUS e o leva à excelência ou que o Estado subsidie os planos de saúde. Pois o brasileiro médio gasta uma fortuna para ter onde fazer uma tomografia ou um simples raio-x. Financiar medicina privada está muito longe do escopo petista. Isso significaria ter médicos indianos, americanos, congoleses, dinamarqueses, sendo financiados indiretamente pelo governo. Por enquanto só se demonstra interesse em ter a visita dos médicos cubanos. O que é melhor que nada, é verdade.

        A elite governamental e o empresariado têm que dar condições de vida ou nunca a classe privilegiada poderá dormir em paz ao obrigar o cidadão pobre a cumprir a lei. Uma vez que todos tenham as necessidades básicas atendidas, Datena e seus capangas não parecerão alienígenas. E o gato de água ou de luz poderá ser alvo de intervenção policial. Bem como o ladrão de galinhas. Falando nisso, os 250 de comida e insumos que eu calculei ali em cima, seria sem nenhum peixinho ou frango, que dirá as suculentas picanhas que costumamos ver no orçamento do planalto, entre os camarões-pistolão, vinhos e licores importados e acepipes de todo tipo, ao gosto do fantoche que opera a maquininha mais contraditória do mundo livre.

 

Lucas Furió é técnico em segurança do trabalho, professor de filosofia e artes. Sobrevivente urbano, tenta entender a eletricidade e faz uns rabiscos.

 

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Miserere nobis, Ora pro nobis

 

        Para além da óbvia relação entre o monacato católico e o mundo acadêmico contemporâneo, ilustrada pelo surgimento das primeiras universidades em ambiente eclesiástico, há uma série de elementos que permitem uma auto-crítica vívida e lúcida. Serei o advogado do diabo neste texto.

         O papa é o único rei que faz questão de o tempo todo acenar para o humanitarismo. Vale lembrar que tão piramidal como o Vaticano, que, a despeito de ser uma monarquia teológica, está distribuído pelo mundo todo, graças a Deus, no mundo acadêmico contemporâneo as ideias também se espalham piramidalmente. Uma canetada de um reitor e temos ali um pequeno Copérnico entre as grades com seu sistema-de-mundo.

                A boa ciência preconiza diálogo de alto padrão. Revisão. Debate. Contraditório. Tudo que não vemos na burocracia dos feudos das letras. A inerrância papal é mais presente faculdades afora do que podemos imaginar.    

O mais perverso elemento desta comparação demoníaca que estamos fazendo é que uma estrutura de poder que deveria zelar por todos, principalmente pelos mais pobres, passa a girar em torno de si mesma. O reclamador profissional é figurinha carimbada nas universidades federais. Ganha 10 pau mas se recusa a comprar a rifa do ursinho de pelúcia da filha da faxineira – que sempre é terceirizada. Os banquetes da Igreja deveriam abrir as portas para os pobres, como faz o padre Julio Lancelotti, entre muitos padres e freiras anônimos, bem como fazem muitos professores doutores do Brasil varonil. Para que a gente morda a língua e desdiga tudo que disse antes, como dizia Raul.

         Há muitos professores tocando projetos sérios e se dedicando a encontrar soluções para esse inferno que se tornou o mundo contemporâneo. Não é de Dante. Nem só do capital nem só da cortina-de-ferro. É um inferno ambiental, uma catástrofe social, um mundo de alienados ético-morais. Se na Igreja, entre inquisidores e banquetes, há também os santos, aqueles em quem a gente só consegue acreditar em nossos melhores momentos, na universidade também tem muita gente boa no sentido forte do termo. Gente que o grosso da humanidade, no mundo moderno, as pessoas só conseguem imitar com seus cães de estimação. Porque o vizinho se quer sempre longe. “O inferno são os outros”, já disse o rebelde de Paris. Para desconforto daqueles que queriam apenas ouvir o som das liras dos anjos. Ou o sininho do ofertório. E o leão vem aí... ser pobre nunca foi tão boa escolha. Fé no ministro da educação. Fé na gramática, da qual, como disse Nietzsche, talvez nunca nos livremos, ao contrário da religião. A tropicália é um dos esforços nesse sentido. De pôr a gramática em seu lugar e encontrar um lugar pro homem num mundo perdido ou, pelo menos, em ruínas.          

 Lucas Furió é técnico em segurança do trabalho, professor de filosofia e artes. Sobrevivente urbano, tenta entender a eletricidade e faz uns rabiscos.

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hoje vou vestir toalha no pescoço... atacar de caminhoneiro as gatinhas domingueiras. nunca vi caminhoneiro muçulmano. sempre tem umas Aparecida no pára-lama. e o teleférico de Santa Irene, sai ou não sai? tem que ter desconto para quem usa peruca de Maracatu. evita insolação. camisa verde para não ofuscar os PF de binóculo. justo. as gatinhas... cadê as domingueiras? na era do uber é preciso uma nova religião. sábado e domingo já tá colonizado. paifilhospritosantoamem. o budismo pode cair na segunda. aí fica bonito. o que sobrar de budista depois do domingo. rárá. Opus Dei curte beber os vinhão. e umas vodka. Rarara. já fui numa missa da Opus Dei. credo. nunca vi nada tão arrastado. mas é lindo ver aquela língua mais polissemica que a vovozinha sendo usada. latim é tudo menos binário. pros hinários também tiro o chapéu. mas não curto aquele lance de se entorpecer. isso é coisa para adolescente. dá para crescer e acordar num novo ringue antes dos 40. rá rá. total flex. uberizado. digital.  putaqueopariu passou longe. A Folha homenageou o Nietzsche. Merecido. Nada nunca foi tão difícil quanto 'ser-o-que-se-é'. É muito cacique para pouco índio. Nem açúcar no café se pode pôr mais. Tudo tem etiqueta... o século XXI passou há dez séculos. já já o carro voador será feito de plasma. tamofudido. as crianças vão perguntar de que franquia é Jesus. Tem Saci-pererê da Nintendo? tem sim sinhô. rárá. o palhaço o que que é? é, minha gente, o tripé do humanismo vai virar história da carochinha. e na literatura, opção não vai faltar. quero ver quem vai ser o infeliz que vai dar nome pros movimentos. 'Emos de curtição'. 'desigrejados anônimos'. rárá. é mole? mais dois dedo de prosa e a coisa fica boa. meu sobrinho de 3 anos perguntou o que segura a caixa d'água. eu falei, garoto, estuda. mas tenha certeza que não é suporte de cachimbo. o der já era. com o carro de plasma, vai sair dragster de represa. e o chá que barateou? nada mais justo. pobre o que mais tem é dissabor. conte outra quem disser que não. genial. chá barato é o que precisamos. e eu já não sei ou nunca soube que raio de merda estão tramando no Irã. já que é para falar de chá, sejamos sommeliers. mas olha, conte a mentira que contar, nada me convence que aquele trem, digo, helicóptero, não é obra de USA. Que saudade de quem fala 'trem'....café com leite tá na veia. mineiro que não é santista eu admiro para cascalho. santista é mineiro que só. mas o mineiro café com leite é aquele que levanta suspeita. o café tá bom? o leite presta? a mistura costuma ser a extração mais saborosa. nem branco, nem preto. o problema é que não dá para saber quem é quem. mas que é bom, é

Lucas Furió troca dois dedos de prosa – aqui

Minha tia espanhola perguntou se tinha chegado a carta de eleição da Espanha... eu disse que não votava, que meu voto era pela rainha. Ela disse que eu tinha que aprender a dirigir a palavra porque rainha não se elege, se endeusa. Tá bom, desculpa, te amo, Sophia.

Comércio ou erudição? Na barraca de pamonha lembrei de uma paixão platônica

 

A Magda Chambriar deu coletiva de camisa azul de oncinha. Gosto não se discute. Fiquei pensando se a nota de cem passou a valer cinquenta ou a de cinquenta, valendo de cem. Roupa de bola-murcha. Rárárá. Nós tamos lascados. Deve ter alguma rainha nórdica com o nome Magda mas quem marcou mesmo foi Marisa Orth, com sua estúpida personagem em “Sai de baixo”. Magda na Petrobrás, quem será o Caco? O Caco Antives deve ser alguma chinesa elétrica. A burocracia estatal chinesa tem “horror à pobre”. Até hoje não me conformo de não ter ido ao teatro vê-los. Uma produção genial. Do mesmo nível de “Grande Família”. Coisa do passado. Acho que sou passadista. Mas eu ficava inebriado com “Sai de baixo”, não perdia um. O humor do Ribamar, os chistes, jargões e atuações de alto nível. Sinto saudades do que não foi... a série podia ter continuado até hoje e a esfinge continuaria viva, comigo imóvel diante da tevê. Sem ir ao teatro. Teatro tá caro, fala a verdade. Tá certo que o pessoal paga o streaming sem dor no coração e um elenco teatral custa caro, bem como figurino, cenário, infra-estrutura. Mas teatro sempre compensa.

                É conhecida a rivalidade entre o recém-finado Zé Celso e Silvio Santos. O primeiro mantinha um teatro vanguardista no Bexiga. O segundo defendia um shopping no lugar. Retrato perfeito da cisão esquerda-direita no Brasil. O teatro representa as artes, os estudos, a erudição, a esfinge. O shopping representa dinamismo, comércio, trocas, o mérito mercantil. O grande xis da questão é que, tanto um como o outro, para serem bons, precisam ser bem-feitos. Teatro de excelência é dureza. Comércio em prol do povo é raro.

                Eu tenho pra mim que o capitalismo só é defensável pensando na liberdade nova-iorquina e na sublimidade do Japão. É verdade. Essa máquina sangra todo mundo. Ninguém tem paz no mundo. O CEO morre de estresse, infarto, qualquer coisa que não o permita ver o caderno da filha no fim-de-semana. O peão, desse não precisa nem dizer. Morre de leptospirose, pressão alta, alcoolismo, etc. Vinicius de Moraes descreveu bem a pseudo-dicotomia: o operário viu que sua cerveja é o whisky do patrão. Todo mundo estressado. Todo mundo correndo atrás do vento. O japonês se estressa mas pelo menos deixa coisas maravilhosas pro mundo. Já foi no pavilhão japonês do Ibirapuera? É de chorar de bonito. Eu trabalharia até os setenta anos, como quis o PSDB, para contruir aquilo. Sem muita regalia. Mas trabalhar a vida inteira para ter uma geladeira de inox? Um carro 3.0? Nada disso me seduz. Na adolescência sonhava em ter carrões. Hoje vejo que o Estado me supre até de motorista no busão. Preciso de mais o quê? A realidade e o fantasioso aqui não se confundem. Diferente do teatro. Eu amo e odeio o teatro. A gente passa a questionar a própria sensibilidade. Conheci um homem com quem pouco falei. Mas tudo nele dizia que era um homem bom. O sorriso. O olhar. Coisas que você sai do teatro e não sabe se é invenção da sua cabeça.

                Seja o comércio ou a erudição a saída para nosso país, uma coisa podemos ter certeza que não é: a ausência de Estado. O bom comércio passa dificuldade. Precisa de um empréstimo, um subsídio, um apoio estatal. As artes e a erudição também. Nisso o PT vem acertando: a concessão de bolsas estudantis, auxílio permanência, têm crescido. Para tristeza do mundo livre do comércio, é verdade. Mas se o camarada da barraca de pamonha não ganha nada por ser útil e te servir, pelo menos teremos doutores em pamonha daqui a trinta anos, que saberão desde a história do inox do carrinho até a polêmica genética envolvendo as espigas. Doutores em pamonha... nada mal. Não precisa acordar tão cedo. Não precisa aturar cliente mal-educado. Será que 20 reais ainda compram uma pamonha, Magda Chambriar?

Lucas Furió é técnico em segurança do trabalho, professor de filosofia e artes, sobrevivente urbano


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Trote e 'que fazer?'

 

Faz 13 anos que o calouro Edison foi encontrado morto no fundo da piscina da USP. não tem nem como fazer piada. eu já fui em festa de recepção dos pessoal de medicina. um bando de acéfalos. não é querer puxar sardinha para as humanidades. mas se o pessoal da filosofia fosse médico, talvez tivéssemos consultas melhores. na recepção da humanas o máximo dano que te farão é entrar num debate sobre o que é o amor ou oferecer um baseado. mas o costumeiro é só uma conversa trivial mesmo. o pessoal da medicina gasta rios de cerveja e espuma, que jogam freneticamente nas jovens musas que adentram os pórticos da imortalidade. isto é, que tiram nota acima de 80.

 

É complicado... Um médico que não valoriza a comida e a bebida jamais poderá ter uma mente sã. é o básico. lição infantil. uma das poucas vezes em que perdi a cabeça com uma pessoa foi quando jogou comida no chão. mais cristianizado, fui me dar conta de que todos fazemos isso em maior ou menor grau. mas não deixa de ser lamentável.

 

A tragédia do sul é tocante. devem receber apoio e merecem nossa compaixão. mas nada me toca mais que ver alguém com fome. geralmente é um negro faminto que aparece na mídia... nas ruas não é tão diferente.

 

Tentei, pensei, fui a campo, não consigo pensar em nada melhor que não beber milho fermentado e tentar fazer amigos, além de contribuir para a igreja. não me ensinaram as habilidades necessárias para me tornar líder de uma grande iniciativa. até lá pago o dízimo... por via das dúvidas, eu vejo o padre distribuindo o pão para o povo sem sorte. na Bíblia está escrito: ajunte tesouro no céu. o mesmo que acontece ao bom, acontece ao mal. o destino do justo é igual o do ímpio. outra medida bastante eficaz seria abrir mão de carne alguns dias por semana. o que é dado de ração pros bichos, pode ser fonte direta de energia para outras pessoas. mas isso para ter o efeito desejado, teria que mobilizar uma cadeia produtiva inteira.

 

Eu agradeço do fundo do coração por serem meus amigos e lerem meu texto. se tiverem algum caminho em que eu possa colaborar pelo fim da fome, ficaria muito feliz. admito que tenho feito muito pouco. juntar amigos aqui tem um pouco esse sentido. se mexer. para não ser engolido pela solidão e com a ajuda de Deus, salvar outras pessoas, quem sabe, da fome e da solidão também. obrigado

 

Lucas Furió é técnico em segurança do trabalho e sobrevivente urbano.


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Para quê jornal impresso?

 

Apresentarei três razões básicas.

 

Num cenários distópico, criminosos podem se apoderar da edição, e nos vermos sitiados sem saber. O jornal digital poderia dar a ilusão de que está tudo bem enquanto a situação poderia ser a pior de todas. Receber o impresso garante ao menos uma coisa: as estradas estão abertas.

 

Além disso, o efeito das telas sobre nós provoca estresse ótico. Ler no papel garante uma leitura mais relaxante e completa. Lemos mais e melhor.

 

Por fim, a dimensão cinestésica não é de pouca importância na leitura. Ver uma bela foto, apreciar as tirinhas, o simples folhear, sentir-se usando os sentidos e não aprisionado à uma máquina 'matrix' justificam gastar dez reais por fim de semana.

 

É de se dizer que para cada pró, há um contra. Se terroristas tomam conta da edição, podemos receber antrhax. A cinestesia tem um custo ambiental, embora a edição eletrônica não seja incólume: há energia, servidores, eletrônicos. E o prazer das fotos e quadrinhos pode não valer os dez reais, já que o jornal impresso é metade política.

 

Na pior das hipóteses, temos como embrulhar o cocô do cachorro.

 

Lucas Furió é técnico em segurança do trabalho, professor de filosofia e artes. sobrevivente urbano, tenta entender a eletricidade e faz uns rabiscos.

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In vino veritas

 

Ao longo de toda escritura, há cerca de 150 registros sobre a bebida. Menos da metade tem um tom condenatório. Vinho quase sempre está associado à alegria. E o que pensar da passagem em que Jesus 'transforma água em vinho'?

 

No mais rasteiro, podemos pensar no cultivo como andarilho pelos povoados hebreus. A uva é um cultivo típico semítico. Na alquimia, a água se converte em uva. E essa, em vinho. Quem sabe nosso Cristo não tenha feito uns bicos pelas vinhas 3 tenha ficado com saldo positivo?

 

Uma segunda opção: na tradição mística, há a crença de que as emoções são retratadas como 'água', principalmente no evangelho de João. Água como emoção. Vinho como algo que alegra, uma emoção alegre. Assim teríamos uma metáfora.

 

Por último mas não menos importante, a mais alastrada crença: um milagre. Cada um escolhe se acredita em milagre ou não. Eu mesmo só passei a acreditar, quando, como Tomé, os vi com meus próprios olhos. A questão subjacente aí seria por que Jesus não teria se livrado da cruz por um milagre, em vez de fazer sortilégios numa festa. Além de ter se livrado da morte, três dias depois, Deus parece operar de forma um tanto caprichosa com seus milagres. Como que desafia a etiqueta. Dá pouca importância às agendas.

 

Ao longo da história, o que tem se mostrado é isso: os milagres vêm para desafiar a lógica e mostrar a enorme bondade de Deus, sobre o qual não temos certeza do poder universal, e portanto diante do qual não convém exigir milagres do tipo o fim da fome na África. Até porque Ele quer nos ver agindo. Optando por dividir o vinho...é nos tornando assim parte de Deus e comensais de seu divino banquete, em que opera pelo Sol e pela chuva, bênçãos gratuitas. Mesmo para um materialista convicto como Holbach, que dizia que Jesus era um mago aprendiz dos egípcios, o Sol e a chuva não são sortilégios menores que Tang ou Ki-suco.

 

Saúde.

 

Lucas Furió é hoje semi-abstêmio

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Devo raspar o cabelo hoje ou o paradigma que me exclui reserva alguma boa surpresa?

 

       'Trabalhar faz bem', assim terminou a consulta o doutor, depois de eu perguntar se ele não me afastaria do trabalho. Não duvido que trabalhar seja bom. Colher caqui numa planície verdejante de ar puro ouvindo os sabiás parece ótimo. Mas eu saía às 3:40 de casa, na motinho, tomando vento gelado na cara e chegava no metrô e me deparava com suas paredes forradas de material particulado. A ponto de quem passar o dedo na parede ficar com o dedo preto. E ia para lá mexer com dinheiro, uma coisa altamente contaminada. E encontrar milhares de pessoas num dia.

 

       O antibiótico o doutor receitou, como é praxe na escola organicista-reducionista. E era um hospital respeitável. Sem eles eu não estaria andando hoje. Mas são reducionistas. Reducionismo é você excluir toda uma massa de dados de sua análise privilegiando uma única compreensão, que não raro é aquele que você foi doutrinado a aceitar, na escola, faculdade ou universidade. A noção de 'paradigma' de Kuhn é vital para compreender essas forças e como operam na realidade.

 

       Semana do meio ambiente... a mídia prefere que a gente faça ciranda e plante pau-ferro nas esquinas. Mas eu sou chato. Já pensou quanto remédio jogado fora em nossas águas? E quanto antibiótico em nossa comida? Isso também é meio ambiente.

    

       Desconhecendo totalmente as interações bioquímicas do shampoo que tenho usado, me pergunto até quando devo priorizar a estética em vez do futuro da humanidade. Devo raspar o cabelo ou por trás dos rótulos 'ultra, hiper, super', os farmacêuticos estariam preparando alguma solução emoliente, anti-metais pesados, anti-cloro, que, ao cair nos rios facilitam a vida da biota aquática?

 

       São só dois dedos de prosa. Mas estou em dúvida mesmo se é possível um ambientalista cabeludo na vida corrida urbana.

 

Lucas Furió é prevencionista, socorrista e professor de filosofia e artes. Entre uma e outra receita, dilui o leite pela metade em água.

Em tempo: me curei da sinusite só inalando soro fisiológico.

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Quantos crente para trocar uma lâmpada?

No mínimo três. Um para trabalhar. Outro para dizer que tecnologia é coisa do maligno e mais um para dizer que todo poder vem do alto.

 

Quantos psicologos para trocar uma lâmpada?

No mínimo três. Id, ego e superego.

 

Quantos vegetarianos para trocar uma lâmpada?

Depende de quantos pé de alface para iluminar na sala.

 

Quantos gaúcho para troca uma lâmpada? Dois. Um para subir na escada e outro para segurar as cuias.

 

Quantos indianos para trocar uma lâmpada?

Não faz diferença, tem 1 bilhão de pessoas para trocar essa merda

 

Quantos economistas para trocar uma lâmpada?

Nenhum. O planeta atavessa uma fase de imposição recessiva devido ao fim dos recursos. Há que se. Usar luz solar.

 

Quantos professores para trocar uma lâmpada?

Nenhum. Tem que contratar um eletricista porque tem muito diário de classe para preencher.

 

Quantos petistas precisa para trocar uma lâmpada?

Nenhum. Só uma petista para mostrar que troquer lâmpade não pede ser coisa de patriarcade

 

Quantos italianos para trocar uma lâmpada?

Dois. Um, do norte, compra, um do sul, instala.

 

Quantos Gugu Liberato para trocar uma lâmpada?

Nenhum. Ele não sabe subir em escada

 

Quantos nordestinos para trocar uma lâmpada?

Dois. Um para subir na escada, outro para tirar as 20 crianças da sala.

 

Quantos motorista de ônibus para trocar uma lâmpada?

Tendo que dirigir e dar o troco, no mínimo quatro porque a tendinite não permite dar mais que meia volta na rosca

 

Quantos aposentados para trocar uma lâmpada?

Ainda existe aposentado? Isso é mais raro que lâmpada incandescente

 

Quantos patrões para trocar uma lâmpada?

Depende da tensão da classe trabalhadora

 

 

Lucas Furió é estudante de eletricidade. Faz uns rabiscos e sobrevive em SP. Não tem filhos por privação financeira e admira muito a fecundidade nordestina, bem como seu povo lindo e feliz.

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A voz muda de uma flauta

 

Um dia um amigo me liga, 'ow, tenho uma flauta de bambu para você'. Além de ser um objeto lindo, com som único, o bambu é o futuro. Ecologia sem bambu não existe. Há um ditado japonês que diz 'É possível viver sem arroz mas não sem bambu'. Li num livro da Taschen.

 

Hoje olho minha flauta e penso no sopro da vida. Sem ele, somos meras cordas vocais. Tocar um instrumento é sentir-se criador. Como escrever, fazer origami, pintar, desenhar, fazer crochê, a matéria ganha vida nas mãos da inteligência. Muitas escolas do pensamento partem desse ponto, que o universo tem um princípio mental. Por isso digo que o materialismo é também uma ontologia. É o contraponto. O primeiro flautista, para o materialista, só existe graças à pedra, que perfura o bambu. A pedra é seu meio de produção. Já para o espiritualista ou racionalista, a flauta só existe graças ao cérebro ou ao Espírito. A contenda é difícil. O que veio antes, o ovo ou a galinha, só Deus sabe.

 

Há um mito romano, que aprendi no curso de latim que fiz em 2010. Filemon e Baucis, pessimamente e muito adulteradamente editado por Thomas Bulfinch. A história trata de um homem que é agraciado pelos deuses com uma parceira que se transforma em um caniço. Daí vem sua parceria até a morte. O caniço se torna a flauta. Bulfinch mudou tudo.

 

Mas o mais bonito de ganhar uma flauta de bambu foi sentir que não estava esquecido no mundo. Alguém ainda acreditava em mim. E um presente tão lindo e reativador dos sonhos como esse faz a gente acreditar mais na vida e em quem dá esse presente também. Um abraço especial pro meu amigo flautista.

 

Lucas Furió prefere o som da flauta que o som da própria voz.

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Se eu tivesse escolha, escolheria a auto-crítica

 

Lula da Silva tem a seu favor os tigres asiáticos, que divergem em meio mas não em fim: não fosse o exemplo de países como a Coréia do Sul, poderíamos dizer que nosso presidente ainda dorme no ufanismo otimista ilustrado. Condorcet, entre outros, acreditava que o futuro vinha pela educação.

 

Para tristeza dos artífices e comerciantes de todo tipo, essa receita iluminista não dá nenhum tipo de apoio a suas categorias. Povo feliz é povo matriculado.

 

Com trinta anos de carteira, não minto que a educação é meu fazer predileto, a despeito de todos os equívocos, vieses, doutrinas e mercantilização que a envolvem. Mas não me espanta mais ver que um bom sapateiro ou um bom padeiro têm muito mais conforto financeiro que um acadêmico que não seja '3.0 top de linha''(em outras palavras, um homem ou mulher público do ensino superior).

 

Lulinha planeja suas bodas de 20 anos com a China mas ainda não aprendeu que na família de lá se dá muito valor às coisas mais elementares, embora dinheiro não se veja, e aí podem trocar arrozes ao fim da cerimônia. A ênfase que a sociedade chinesa dá ao artesanato talvez só seja vista lá pelo extremo oriente mesmo. Aqui, além do pouco prestígio, o artesão e o comerciante não recebem bolsa de nenhum tipo (essa classe parece não ter sido convidada pro casamento de Lula com Jinping, casamento cujos padrinhos parecem ser antes os paises nórdicos do que a Itália, quer dizer um estado de bem estar-social petroleofinanciado, não uma península mercantil).

 

O governo de Lula tinha tudo para ser chamado um regime oriental. Com duas ressalvas. No Egito, o mascate é uma figura importante. Não à toa no Brasil em qualquer ramo comercial, há um 'brimo'. A outra exceção é que em tudo que se chama oriente, carne é escassa. E 'nunca se comeu tanta carne na história desse país'. Lula juntou a fome com a vontade de comer. O sonho do peão sempre foi churrasco, faculdade e casa própria.

 

O churrasco conquista-se a alto preço ambiental, a faculdade, pelo opróbrio das arte e metiers, e a casa própria, essa é o artíficio gravitacional. O boleto da caixa é o que permite ao Estado bem administrar a cesta básica, sabendo que o cidadão comum estará fixado ao seu CEP, geralmente por trinta anos. Isto é, a vida laboral inteira. Minto. com o Pit stop que representou Bolsonaro, 30 anos já não aposenta ninguém. E a borracha tá sempre doida para cantar. Uma coisa é certa: o estudante de federal é bem mais fácil de dominar que um vendedor de coisa qualquer. Centralizado, documentado, previsível. Quando algo foge do controle é uma rima rica, um verso decassílabo. Ao passo que a classe dos comerciantes fez muito barulho em tudo quanto é lugar, por unir logística, desejos, insumos, capital, operações básicas, propaganda e ocupação do território com direito legítimo.

 

 Alguns atribuem revoluções aos comerciantes. Não sei se é para tanto... mas se o intelectual nos anos 70 era um perigo, hoje é um depositário do banco de dados global. E é impossível haver tantas livrarias quanto padarias ou lojas de roupas. O resultado é que não temos quem conserte nossos sapatos, que vêm da China. Mas temos especialistas em sapatos chineses nas federais, dizendo, claro, como foram competentes, não escravocratas. O churrasco às vezes é chinês, às vezes argentino, mas a vida livre do gaúcho raiz é para poucos. De seu estilo de vida, só temos acesso à carne gorda. Porque estamos presos aos 40 metros quadrados da CDHU.

 

Lucas Furió é sobrevivente urbano

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Mundo das ideias no cotidiano

Quase todo mundo já ouviu falar do mito da caverna de Platão. É um artifício do filósofo antigo pata desacreditar o mundo sensível, o mundo material e apontar para o seu tão questionado 'mundo das ideias'.

 

A realidade atual, de um mundo tecnológico e global, renova a discussão em dois importantes aspectos.

 

Primeiro, podemos estar acorrentados a opinião alheia, à propaganda, deixando de acompanhar os reais movimentos do nosso mundo.

 

E, por outro lado, podemos estar sendo iludidos pelos sentidos no pior sentido do termo - e quase mais literal. Realidade simulada. Quem garante que, pelo celular, um poder central ou marginal não está a se passar por sua irmã, tia ou amiga?

 

Se o filósofo investigava o que é o 'amor', a 'justiça', e mesmo que esses diálogos e questões sejam eternos, podemos estar a buscar algo mais elementar, hoje: um interlocutor. O velho 'você viu minha mensagem?', usual nos encontros de família, idas à padaria ou nos churrascos, pode ser mais que uma demanda do consumidor em dúvida sobre sua operadora, pode ser uma última fronteira da humanidade diante da inteligência artificial. Que cruzada!

 

Lucas Furió é bacharel e licenciado em filosofia. É também sobrevivente urbano

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Tentando prever o futuro

 

Trabalho remoto? A melhor coisa. Não precisamos perder quatro horas no ônibus lotado ou no congestionamento. Nem perguntar como está o seu Jurandir da portaria.

 

Compras virtuais... para quê ter que perguntar pro seu Jurandir como está a Calvina, sua cachorrinha? Todo mundo quer privacidade. Comprar de casa é mais confortável, rápido e o melhor: mais barato! Basta um pix e lá vem a cestinha de frutas e hortaliças prontinha na porta de casa.

 

Relacionamento à distância pelas redes sociais já é notícia velha. Os parabéns, os pêsames, a formatura, o enterro, o aniversário, o casamento, tudo é facebookizado. Há pelo menos cinco anos o WhatsApp jogou a última pá de cal sobre o túmulo dos correios, em desuso há 20 anos, com o advento do email e da Internet.

 

Conclusão: esperamos que o ser humano tenha evoluído tanto quanto as máquinas pois numa humanidade cada vez mais atomizada não só o genocídio seria mais fácil como a habilidade de o perceber acontecendo e se aproximando fica cada vez mais prejudicada. Cada um em seu confortável apartamento acarpetado e protegido por cercas elétricas...cercas elétricas que podem calcinar 1000 pessoas sem muita perturbação na subestação. mas a gente precisa se proteger dos desempregados, não é mesmo? Calcula-se em 8000 VA a potência da cerca elétrica, o que rende uma carga de aproximadamente 62 Ampére. As normas estipulam em 0,3 ampere uma corrente nociva ao ser humano. Ou seja, um choque 200 vezes mais forte do que o perigoso. Fica a dúvida se para a elite global nós, a classe média, não provocamos tanta ojeriza quanto a horda de maltrapilhos que ronda os empreendimentos que abrigam 1000 pessoas em funções de salário mínimo.

Lembrar sempre da etimologia de 'karatê': de mãos vazias. Qualquer arma pode ser usada contra nós. E algemas conduzem energia.

Lucas Furió tenta entender a eletricidade

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A quantas anda a desobediência civil?

 

Diante de um poder central massacrante, muitas vezes sentimos que não podemos fazer nada. Os indianos, diante do império, algumas vezes fizeram greve de fome, outras vezes se acorrentaram às árvores para impedir sua derrubada.

 

Há alguns hábitos menos impactantes mas que desafiam a ordem do dia, a velocidade a todo custo.

 

A pesca artesanal, uma vez que podíamos comprar a lata de atum, fazer um patê e redigir 20 relatórios. Pescar à moda antiga exige parar no tempo. Mobilizar forças, recursos e tempo para olhar uma paisagem quase estática (quase em nada difere da Yoga, que se diferencia em substância apenas pelo princípio de não matar nenhum ser vivo).

 

O cachimbo desafia a lógica industrial do cigarro. Além de evitar o câncer de pulmão, o cachimbeiro pára, escolhe um fumo, limpa seu cachimbo e medita. O ritual leva 20 minutos tranquilamente.

 

Por último, o tricô. Quem diria que a vovó é mais underground que os punk da praça da República? Pois é. Ao optar por um modo lento e artesanal de fazer um colete, desafia-se toda uma lógica industrial que emprega pouco, escolhe-se treinar as mãos e exercitar o cérebro. O tricô é sem dúvida uma prática que vai contra o ritmo 220V da sociedade contemporânea. Uma pessoa pode levar meses para terminar uma peça que as máquinas executam em minutos.

 

Dia 3 de julho é dia de São Tomé... e eu tô de ver para crer o brasileiro passar a dizer 'não', ainda que seja tudo que possamos fazer. Mas como lembram Nietzsche, Marx e Freud, nossas vontades vão muito além do simples 'querer'. Somos determinados. Marcados pela vida que quer viver, pela história e pelo inconsciente. Eu ainda não consigo dizer não ao cigarro. Mas aprendi a dizer não a uma porção de coisas. E sei que você também.

 

Lucas Furió é tabagista e meditador de chuveiro

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Terapia semanal é contraproducente

 

 

Harmonia no caos, acolhimento em meio à aridez e o despedir-se da etiqueta e falar à vontade. São três fortes argumentos em prol da terapia semanal. Vou abordar as antíteses.

 

É necessário sentir o caos do mundo. O mundo bem organizado da terapia é artificial. No mundo da conversa não-paga, muitos não te entenderão. Por incompetência ou por falta de vontade.

 

A aridez das relações sociais é mais ou menos a mesma coisa. Nem todo mundo quer nos ouvir. É necessário saber lidar com isso.

 

Por fim, o que no mundão seria chamado 'ensimesmamento', falar de si horas a fio, na terapia passa como auto-conhecimento. E pode até ser. Mas se saímos do esquema divã, nos abrimos para o mundo. E por isso digo que terapia semanal é contraproducente. É preciso ter momentos de auto-conhecimento. É preciso ir ao parque. Ao museu. À organização de bairro. Fazer filantropia. Ir à feira. Ao clube, academia, biblioteca. Se nada disso for suficiente,  pode-se ir ao bar, até, se for preciso.

 

Lucas Furió estudou três anos de psicologia. Mas não se formou.

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Riso e sorriso

São raras as pessoas que conseguem ser felizes sem se distanciar da verdade. Orientais têm o dom de sorrir para uma flor ou para um furador de fila com quase o mesmo semblante, sentindo o peso do mundo sobre as costas mas sem perder a graça. Tive um amigo que ria com o coração. Mais um que a vida tragou para longe. Um verdadeiro gênio. Ele dizia frases emblemáticas... e auscutava o coração da gente com piadas triviais. Gente que faz falta.

                É mais fácil rir do que sorrir. Embora os músculos digam o contrário. Gargalhar pode indicar uma pessoa que tem o dom de esquecer de tudo por um momento. Do chefe injusto, do câncer matador, do avô que se foi, da cachorra atropelada, da prova não-passada, do salgadinho não comido, do sorvete não tomado. Do dinheiro que não aparece. Da árvore genealógica que vai rareando e quase desaparece mas só por birra faz questão de aparecer num largado da praça, num abandonado do abrigo, num refugiado de guerra. A lista poderia ocupar os trinta centímetros da folha. Gente que gargalha é gente que esquece. Sei por experiência própria.

                Sorrir, por outro lado, é levantar uma montanha sem ter braços. O cadeirante costuma sorrir. A vozinha que perdeu os filhos. O chefe que encontra descaminho. O homem que falha na cama costuma sorrir. Uma mãe que espera o filho que some sem avisar.  O pai que não gosta de bola. Deus deve sorrir o tempo todo. Mas raramente gargalhar. Pois Deus é onipresente, em tese. E para gargalhar é preciso abrir um buraco no tempo e se esconder das próprias memórias, num faz de conta que não condiz com centenas de crianças morrendo de fome. Nem com o fim de um namorico.

                Eu desejo que você sorria e gargalhe se deus te der o dom da desmemória.

Lucas Furió tenta entender o riso. E passou a gargalhar quando perdeu a razão.

'Feliz de quem atravessa a vida inteira tendo mil razões para viver' dom Helder Câmara

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Há que se dar mais valor ao bronze.

 

Bia Souza levou bronze em Tóquio. Até ontem não conhecia a garotona. É verdade que não sou nenhum faixa-preta aficcionado por judô. Mas com todo desprestígio que já enfrentei na vida, digo com conhecimento de causa: o bronze deve ser mais valorizado, para sairmos dessa zona cinzenta de que só ouro é que importa. Isso é coisa de catequista do século XV. Hoje a Bia ganhou uma página inteira na Folha. Não tem jeito, o ouro que faz a cabeça do povo. Eu sempre gostei mais do cobre. talvez justamente por estar desvinculado dessa era maldita de expropriação e excesso de luxo de quem prega simplicidade.

Aqui da terra do bananal a perder de vista, nossa pequena Itariri. Pelo visto não só de armadeira vive o bananal. A menina treina judô desde os 6 anos. E é do exército. O jornal soltou apenas uma palavra sobre sua carreira nas armas. Lembro de quando sonhava com uma farda branca, e o mais perto que cheguei disso foi no centro de macumba, para entrar nas armas era preciso correr mais de 2km em 12 minutos. E eu sonhava em estudar recebendo salário. Algo aí precisa ser esclarecido. Indo pelo óbvio, tomando como exemplo o ensino público Paulista, as instituições surfam as ondas dos dedicados. 'você é bom em matemática? as portas estão abertas...' e depois é feito o marketing do 'celeiro de gênios'. Escola hoje em dia não forma mais ninguém. Falo com propriedade: a escola o máximo que faz é encurtar uns caminhos, apresentar uns autores, porque não tem exército nem USP que desperte curiosidade. Não tem exército nem USP que ponha carboidrato na mesa do adolescente para o cérebro funcionar. E nós vemos de volta ao binômio clássico: uns pedem distribuição (com razão), outros pedem o mínimo de interesse pela vida e pela carreira (com razão).

"Pé-de-meia" vem trazer para esse Brasil das castas uma grande novidade: cidadão de terceira categoria (nem erudito nem guerreiro) não precisará mais vender galinha nem bolo nem nada para fazer um curso de férias ou comprar um salgado na cantina. Medida muito acertada.

Bom... pros que não conseguiram correr 2km em 12 minutos, resta esse domingão que promete Sol e ganhar um bronze. Porque um dia o bronze será mais valorizado. Já pensou, segunda-feira aquele bronze de congelar o camarada do nicho do lado?

 

Lucas Furió é anti-medalhista em matéria de pedagogia e acesso às 4 refeições diárias

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SETE MARAVILHAS DO MUNDO

 

Cristo Redentor : cultivar um sonho imortal

Coliseu : brigar quando vale a pena

Taj Mahal : honrar as memórias

Grande Muralha : direito de desviar o olhar nietzscheano

Petra : todo grande esforço deixa marcas

Machu Picchu : aprender com o Condor

Chichén itzá : quitutes, batata frita, pé-de-moleque, pastel, café e bombons

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