Metafísica do telhado e o IDH à flor da pele: o último estrato do geóide revela uma “situação”
Metafísica do telhado e o IDH à flor da pele: o último estrato do geóide revela uma “situação”
A fotografia inaugura uma era nas artes. Se por um lado representa o “realismo”, o “factual”, como tanto desejaram os cientistas, por outro lado, com as vanguardas estéticas representa “mais uma” ferramenta de expressão.
No domínio da cartografia, a fotografia espacial, com auxílio de equipamentos como GPS, parece colocar-nos num imobilismo interpretativo. É o que é. Qualquer leigo, ao abrir o Google, tem um retrato fiel e verdadeiro do que seja o mundo. O debate da cartografia sistemática pode parecer solapado. Neste texto propomos justamente ir além do óbvio, chamado “realidade”, para fazer uma metafísica das imagens de fotografia espacial.
Metafísica, palavrinha clássica, remonta a Aristóteles e significa “o que está além da física”. Ao nos debruçarmos a esta metafísica em especial, buscamos deslindar a realidade por trás das imagens que nos dobram a um “realismo inescapável”.
Uma situação-de-vida pode ser depreendida das fotografias aéreas. Mas isso não nos afundaria ainda mais no realismo? Por um lado, sim, no sentido das ciências sociais, como apresentamos no título. Por outro lado, não, pois nos revela um “cotidiano” um dia-a-dia, nos leva a sentir um calor e um peso de determinação que só pode ser compreendido por alguém que sente. Aí evocamos Sartre.
Uma imagem da grande São Paulo revela claramente áreas cinzentas e áreas terrosas, quando vista de cima. A situação é que a telha-de-barro, outrora produto das mãos dos escravos, passa a ser um material construtivo destinado às classes médias e altas. A telha cinza, de cimento ou metal, é a que atende ao "povão".
Pelo último estrato do geóide, a cobertura das habitações, revela-se toda uma “situação”. A impossibilidade de comprar outro material, a pressa de construir, as desterritorializações; o capital como administrador de bens naturais em um foco unidiricional, e, por, fim, um índice de desenvolvimento humano. A telha cinza cobre a pessoa pobre, com pouca educação e pouco acesso à saúde. A telha de barro protege aquele de melhor sorte. Pode conferir....
Esse diagnóstico, no que tem de geografia, é circunscrito à grande São Paulo. Especificamente às moradias. No que tem de estético, mostra que ainda não há um 'caráter monolítico da percepção'. No que tem de filosófico, remonta ao drama, o eterno drama, forma-matriz do diálogo e da narrativa.
O problema inicial é recolocado: não estaria a fotografia a nos afundar ainda mais na ciência, num movimento “realista”? A considerar pelo revelamento do IDH, sim. A considerar pelo drama cotidiano, pelas narrativas daqueles que dormem com a janela aberta e são acometidos de dengue e não encontram tratamento ou daqueles que tentam estudar num ambiente abafado, talvez não, talvez estivéssemos nos aproximando da literatura e da tragédia.


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