Descobrimento do Brasil e roupa de eucaristia

 

Descobrimento do Brasil e roupa de eucaristia

Com 9 anos eu não tinha muito pecado, não. Talvez cobiça da calça social do meu primo. Mas tava mais para auto-comiseração. O papo todo de igualdade da catequese não se ajustava bem com aquela calça que deixava a língua do tênis aparecendo, enquanto a calça social dava o dobro de perna para quem a usasse. Minha eucaristia fiz de calça jeans branca. Mas não tinha muito pecado, de verdade, embora já fosse cindido entre o catolicismo e o protestantismo.

Eu não contava pro padre porque tinha medo da reprimenda: ingerir a hóstia não me parecia racional. Mais tarde fui tomar conhecimento que isso era só a ponta do iceberg. Religião é um mergulho no campo do irracional. Deus quis assim. Para horror dos iluministas diletantes, Deus não faz a mínima questão de ser explicável. O mundo físico e o mundo espiritual desafiam a lógica o tempo todo.

Até hoje tenho medo de cultuar imagens, embora saiba que a Bíblia foi uma introdução jesuítica no Brasil. E que antes disso, bem como por toda parte fora do oriente médio, seja costumeiro render graças a um objeto de devoção, que não raro é uma estatueta. Nisso está minha maior gratidão à missão jesuítica, onde estudei minha infância toda: colocar o homem e a natureza no centro do culto, como objeto de devoção que só perde em grau para a Trindade e para a sagrada família. Obrigado, mestres. Hoje é o dia do descobrimento do Brasil mas eu vou me descobrindo à medida que vou escrevendo. E sem vocês, aí do outro lado, isso não seria possível. Sartre falou disso melhor que ninguém: intersubjetividade. Um, para existir, precisa do outro.

Por isso que um casal, quando põe no outro a responsabilidade de sua felicidade, não entendeu o trivial: um casal é mais que a soma das partes, é uma unidade. Assim como nós estamos tentando, tal qual os românticos fizeram na Alemanha, França, Itália, criar uma amálgama do que seja o Brasil depois de 1500. Ainda não nos descobrimos, vivemos cindidos. A ponto de ainda ser necessário defender educação indígena. Ainda ser necessário defender inclusão de negros. Somos uma colcha de retalhos saída das mãos de uma cooperativa, feita a muitas mãos. Mas ela veste melhor a alguns do que outros...

 

Lucas Furió já foi investigador psíquico, hoje é só mais um cristão

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