Sociedade do controle

 

Sociedade do controle

 

Muitos renomados escritores e pensadores têm se dedicado ao tema da sociedade do controle. Penso que para fazermos um prognóstico minimamente plausível, há que se considerar três cenários possíveis: utopia, apatia e distopia.

 

Num mundo utópico, império da lei kantiana, em que cada um fizesse ao outro o que quer que façam a si mesmo, a maquinaria toda viria a calhar. Ser monitorado por GPS é bom porque diminui a chance de roubo de celular. Câmeras nos corredores, calçadas, até nas suítes, inibirão os crimes e incentivarão a virtude. Num mundo administrado pelos melhores (isto é, os mais virtuosos), o controle, no máximo, nos faria perder um pouco de naturalidade. Tirar uma catota do nariz, dar um tapinha na bunda, essas trivialidades perderiam espaço. No mais, o índice de crimes despencaria, diminuiria até a chance de ter um penetra em seu churrasco. Tudo tabelado, tudo controlado, questão de tempo até atingirmos o ótimo social.

 

Num mundo apático, a maquinaria nos voltaria à indiferença e venceria a burocracia. Os incluídos estariam mais monitorados, os excluídos, mais  apartados do que nunca, já que reinaria a apatia. Fugir de um cachorro com uma bicicleta encontrada à esmo numa viela faria o cidadão comum incidir em crime, já que a apatia é que comandaria as câmeras, celulares e computadores. O governo não estaria preocupado com a conduta ética, e sim apenas com a moral. Pois a ética é incompatível com a apatia. Então, no frigir dos ovos, talvez tudo continuasse tal e qual é. Crimes comuns, punidos. Crimes ambientais, sociais e políticos, tratados com desdém. Talvez estejamos num mundo apático. Embora os discursos eleitoreiros digam que não.

 

E o pior, num mundo distópico, em que um lunático qualquer assumisse o comando das máquinas, câmeras, celulares e computadores, aí sim, num mundo administrado, estaríamos em maus lençóis. Se o tirano decidisse da noite pro dia que não se pode misturar café com leite, o que faríamos? A ilegalidade cresceria e as punições também. Sob as lentes, isto é, nos barzinhos mundo afora, se venderia chá branco como nunca, mas nas alcovas, no sussurro dos ardis, o pessoal ia dar um jeito de plantar café no quintal ou contrabandear leite de algum lugar não muito distante. Num mundo distópico, ninguém teria liberdade de opinião e ganhar um salário seria mais difícil que vender um rim. Neste tipo de administração, toda invenção humana passaria a exercer sobre humanidade um efeito soturno e deletério. Em alguns lugares do mundo já é assim, em maior ou menor grau.

 

A conclusão é que o panóptico de Jeremy Bentham não é bom ou mau em si. Por si. Tudo varia com a contingência político – administrativa. Que Deus tenha misericórdia de nós e que ainda possamos exercer a livre opinião, a escolha e a vontade, no já naturalmente limitado espaço que estas existem na vida humana (Marx, Nietzcshe e Freud dilapidaram por completo o ídolo da “liberdade” mas ainda assim, qualquer um em sã consciência admite que tenhamos um pingo de liberdade).

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