Mais uma lição do xadrez – porque todos é maior que um. Para desdizer...
Mais uma lição do xadrez – porque todos é maior que um. Para desdizer...
No último texto salientamos a importância daqueles que ocupam o topo da pirâmide – com o caso ilustrativo da picada de cobra, em que um só especialista desbanca uma série de curiosos. É a velha disputa “epistéme – senso comum”, que remonta aos antigos gregos. Aqui faremos o esforço contrário.
Do topo da pirâmide pode até se ver o que acontece na base. Mas não se sente o que a tangencia. Só estando lá para saber. No xadrez, a mesma coisa. O rei concentra informações. Sabe onde encontrar cada peça do jogo. O rei é o próprio jogador. Seu fim implica fim de jogo. O rei manda em todos, sabe mais que todos, sua vitória – deveria ser – é a vitória de todos. Mas há movimentos que só o peão faz, há movimentos que só a torre faz. Por sua própria definição. E isso implica uma perspectiva, um posicionamento.
Por mais sábio que possa ser um comandante, nunca é demais alertá-lo de que ao nascer ganhamos visão e também antolhos. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. A própria natureza da instituição vertical ocasiona uma cisão: entre aqueles que tocam o rés-do-chão e aqueles que almejam os céus, por não terem mais para onde subir.
É verdade que, em termos políticos, centralizar e verticalizar pode ter suas vantagens. Gerar excedentes e resguardar os ocupantes do topo são alguns exemplos. O exército romano era uma força tipicamente verticalizada e os exércitos de todo mundo parecem imitar essa estrutura, por razões óbvias. Se um exército de unitários-polivalentes auto-responsivos tem sua vantagem, para os donos do poder é muito melhor “esconder-se atrás da mesa”, como cantou Renato Russo.
Retomando a antiga querela “epistéme-senso comum”, tão cara aos elitistas gregos, e tão aviltante pela verdade que comporta, é necessário lembrar que a verdade de uns poucos pode beneficiar só a estes mesmos. É quase óbvio. Mas faz-se ciência disso. É a história dos pensadores democratas ou progressistas, que vicejam nas ciências sociais, pedagógicas e na filosofia do conhecimento. Paradoxo.
Se nosso objeto for o bem comum, admitir que uns poucos possam saber mais que a maioria não significa esquecer que todos juntos pensam melhor que uns poucos. Por uma questão evidente de perspectiva. Não fosse uma verdade cabal, não existiriam meios de comunicação. Nem esforços arquitetônicos para informar os comandantes. A trombeta não seria necessária pois o general não precisaria do ponto de vista do sargento. A fortificação não precisaria de muretas esquivas pois o rei saberia o que fazer sem que o arqueiro gritasse lá das beiradas o que estava vendo.
O remédio eterno, do grande conselheiro Aristóteles, é a justa medida, o termo-médio. Ou seja, criar instâncias comunicativas que não criem ruído. Centralizar sem perder a visão do todo. Cuba e Suíça são os poucos grupamentos humanos que parecem valorizar ao máximo a participação popular. Porque por toda parte há alguém “de cinco estrelas” com medo de que o polvo político tenha seus tentáculos acéfalos, com um olho em cada uma das extremidades, acreditando poder viver bem sem o comando central. Rousseau fala do perigo de abrir mão da soberania em nome de um representante. Outro artefato moral valiosíssimo. Mas só quando falta semáforo, reconhecemos sua importância para a segurança de todos. Do contrário, é mais xingado que mãe de juiz de futebol.

Comentários
Postar um comentário